A Maldição da Mancha Negra
12/06/07 11:08 Filed in: Mundo Bege
Olhei no espelho e me senti primeiro uma ninja, e em seguida, o mancha-negra. Lembra do mancha-negra, vilão dos quadrinhos do Tio Patinhas? Entao, eu estava igualzinha. Um minuto antes eu era eu, entrando no banheiro - até que limpinho - na fronteira entre Qatar e Arabia Saudita, e depois de me paramentar de modo aceitável para os Muttawa - misto de fashion police e fiscais religiosos sauditas- abaya, hijab e niqab, eu nao era mais eu. Eu podia ser qualquer pessoa. Inclusive o proprio Mancha Negra. E na Arabia Saudita, eu seria mais uma na multidão, entre varias manchas negras. Na Arabia Saudita, todas as mulheres andam assim.

Primeira experiencia bizarra: na fronteira, o oficial olhou os passaportes, mas nao me pediu pra tirar o véu. Eu podia ser um homem usando rimel e kohol, nao podia? Um fugitivo, um terrorista, uma outra mulher que nao a da foto, mas pra ele nao fazia diferenca. Nos tinhamos um alcorão no carro, o Anis estava de barba por fazer, e eu usando niqab. Apenas uma familia padrão, cruzando a fronteira as 5 da manhã. Em compensacao, tivemos que abrir mala por mala, cestas de piquenique, livros e revistas foram folheados - para o caso de termos fotos indecentes ou alcool ou alguma literatura anti-governo. Mas estavamos limpos. E passamos.
Deserto, deserto, deserto. Areia amarela, areia vermelha, um camelo, uns oasis, deserto, deserto. Vários camelos. De vez em quando, um posto de gasolina. E três horas depois, uma cidade. Areia, areia, outra cidade. Precisei de banheiro. Paramos. O Anis entrou por uma porta, eu por outra. Ninguem me olhou. Eu era invisível.
Horas depois, chegamos a Riad, capital da Arabia Saudita. Cidade grande, imensa. Check in no hotel Al Khozama. Anis entrou, com meu passaporte e o dele, fez o check in. O bell boy veio ate o carro buscar as malas, eu saí e abri o porta malas. O bellboy nao se mexeu ate o Anis voltar. Era como se ele nao tivesse me visto. Quando entramos no elevador, enquanto as portas fechavam, olhei nos olhos do bell boy, Ele desviou o olhar. Como se eu nao estivesse ali. No quarto enquanto ele descarregava as malas do carrinho, tentei olhar nos olhos dele novamente. E mais uma vez ele desviou. Confirmadas as minhas suspeitas: eu era invisível. No café da manha, o garcon indiano me perguntou se eu queria chá, café, suco...eu olhei nos olhos dele pra responder, e claro, ele desviou e olhou para os proprios pés. Na mesa próxima ao jardim, outra colega mancha negra me observava. Na minha cabeca, comecei a inventar uma historia onde só as manchas negras se enxergam. Só quem usa o manto da invisibilidade consegue ver quem usa o manto. Para o resto da população, somos invisíveis.

Primeira experiencia bizarra: na fronteira, o oficial olhou os passaportes, mas nao me pediu pra tirar o véu. Eu podia ser um homem usando rimel e kohol, nao podia? Um fugitivo, um terrorista, uma outra mulher que nao a da foto, mas pra ele nao fazia diferenca. Nos tinhamos um alcorão no carro, o Anis estava de barba por fazer, e eu usando niqab. Apenas uma familia padrão, cruzando a fronteira as 5 da manhã. Em compensacao, tivemos que abrir mala por mala, cestas de piquenique, livros e revistas foram folheados - para o caso de termos fotos indecentes ou alcool ou alguma literatura anti-governo. Mas estavamos limpos. E passamos.
Deserto, deserto, deserto. Areia amarela, areia vermelha, um camelo, uns oasis, deserto, deserto. Vários camelos. De vez em quando, um posto de gasolina. E três horas depois, uma cidade. Areia, areia, outra cidade. Precisei de banheiro. Paramos. O Anis entrou por uma porta, eu por outra. Ninguem me olhou. Eu era invisível.
Horas depois, chegamos a Riad, capital da Arabia Saudita. Cidade grande, imensa. Check in no hotel Al Khozama. Anis entrou, com meu passaporte e o dele, fez o check in. O bell boy veio ate o carro buscar as malas, eu saí e abri o porta malas. O bellboy nao se mexeu ate o Anis voltar. Era como se ele nao tivesse me visto. Quando entramos no elevador, enquanto as portas fechavam, olhei nos olhos do bell boy, Ele desviou o olhar. Como se eu nao estivesse ali. No quarto enquanto ele descarregava as malas do carrinho, tentei olhar nos olhos dele novamente. E mais uma vez ele desviou. Confirmadas as minhas suspeitas: eu era invisível. No café da manha, o garcon indiano me perguntou se eu queria chá, café, suco...eu olhei nos olhos dele pra responder, e claro, ele desviou e olhou para os proprios pés. Na mesa próxima ao jardim, outra colega mancha negra me observava. Na minha cabeca, comecei a inventar uma historia onde só as manchas negras se enxergam. Só quem usa o manto da invisibilidade consegue ver quem usa o manto. Para o resto da população, somos invisíveis.